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segunda-feira, 20 de março de 2023 às 09:29 Postado por Gustavo Jacondino 0 Comments


Dono de uma carreira cheia de altos (Sexto Sentido, Corpo Fechado, Sinais) e baixos (Fim dos Tempos, Vidro), M. Night Shyamalan é um diretor que possui uma visão bem distinta e autoral de cinema. Em Servant, projeto iniciado em 2019 em parceria com Tony Basgallop (The Consultant), o diretor contribui para criar uma linha mestra que estabelece a atmosfera da série e faz um dos seus melhores trabalhos, tanto nos episódios que dirige como no processo de inspiração da equipe de realizadores, que conta inclusive com  a presença da sua filha, Ishana Night Shyamalan, na direção, roteiro e produção, bem como Julia Ducournau, de Raw e Titane


Estrelada por Lauren Ambrose, Toby Kebbell e Nell Tiger FreeServant acompanha a história de um casal que perde o filho recém-nascido em um acidente e passa a tratar um boneco como filho para superar o trauma da perda. Quando o casal contrata uma jovem para cuidar do bebê uma série de eventos estranhos passam a acontecer. 



De maneira geral, Servant atrai por se aproximar muito das principais obras do diretor. A vida cotidiana de uma família da Filadélfia que possui algo de excêntrico e disfuncional é narrada como uma história gótica. A atmosfera é quase vitoriana e a base são as histórias de casa mal-assombrada, uma vez que a encenação se mantém dentro do recinto, que a cada temporada revela um novo espaço. Na segunda temporada somos apresentadas ao pátio, na terceira a um sótão, e no desfecho aparece quarto em algum ponto do subsolo e uma vista do telhado, incorporada à abertura da série no quarto ano, entre outros segredos. Transformar a casa em um personagem é um dos grandes feitos da série, que não para por aí. 



Servant possui um trabalho de câmera vocacionado para o terror desde o primeiro episódio, que tem um olhar sobre a casa e seus personagens muito preciso e é responsável por criar tensão e suspense muito antes que eventos dessa natureza aconteçam. É um plano detalhe de uma faca cortando um peixe, um rosto que ocupa um quadrante pouco usual do enquadramento, cenas que transformam aquela casa, mobiliada com elegância e aconchego, em uma lugar desconfortável e gélido, além da profundidade de campo, na maior parte do tempo reduzida de maneira a produzir sufocamento, a mudança de foco que responde às necessidades da narrativa e o split diopter (uma lente convexa pela metade colocada na frente da lente principal da câmera, dando foco tanto ao que está mais próximo como no que está ao fundo do quadro) que intensifica as emoções trabalhadas num paralelismo elegante. Simples ações e movimentos do cotidiano são aqui tornados fantasmagóricos e misteriosos por uma câmera que enxerga com sagacidade para além de uma camada de ordem que a superfície pode sugerir. 



Nesse sentido é providencial que o porão com  a adega esteja sempre esteja lá. Muitos pontos de virada se dão nesse lugar e a resolução parte dali, uma metáfora para os segredos do inconsciente, que passam a ser processados à medida que a ação catártica se desloca para telhado e sótão. E essa é a maior virtude de Servant: nunca se deixar perder de vista o seu principal conflito. Servant é uma poderosa narrativa sobre o luto, sobre a aceitação. Longe de ser uma ação passiva  ou derrotista, a aceitação é uma forma de agir de maneira saudável e libertadora, não menos dolorosa, sobre aquilo que não temos mais controle. E são inúmeras as situações e eventos dessa natureza. Talvez, matutando sobre isso, essa característica da trama fez o cineasta realizar o seu último lançamento, “Batem à Porta”, que discorre sobre a vulnerabilidade do ser humano diante de forças que, independente de sua natureza, lhe são superiores. Em ambas as narrativas é possível destacar, também, um discurso que aborda aspectos multifacetados da fé, já abordados pelo diretor na sua filmografia. Nota-se também o trabalho de câmera aprimorado que faz toda a diferença em “Batem à Porta”, que se assemelha muito com Servant.



Servant é um ponto fora da curva para séries de terror em streaming. São pílulas de entretenimento para fãs do gênero e do diretor, quase uma sitcom de terror, dada a duração de seus episódios, sempre em torno dos 25 minutos, mas que constrói uma história muito humana, intensificada pelos seus intérpretes, tornando a presença de M. Night Shyamalan de fundamental importância para a qualidade da produção e um dos seus melhores trabalhos. 


Elenco: Lauren Ambrose, Toby Kebbell, Nell Tiger Free, Rupert Grint


Direção: Ishana Shyamalan, Nimród Antal, M. Night Shyamalan, Dylan Holmes Williams, Logan George, Celine Held, Alexis Ostrander, Daniel Sackheim, Lisa Brühlmann, Julia Ducournau, Isabella Eklöf, Severin Fiala, Veronika Franz, Kitty Green, Carlo Mirabella-Davis, John Dahl


Trilha Sonora: Trevor Gureckis




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