O grande charme da franquia Alien se encontra em mostrar diversas classes sociais sendo submetidas ao poder de uma grande corporação.
Desde os caminhoneiros do espaço no filme original, passando por militares, monges e cientistas, todos os extratos dessa sociedade do futuro se encontra submetida ao neoliberalismo e a necessidade de reprodução do capital, ou aos desejos megalomaníacos de um milionário.
Então, nada mais apropriado, em uma nova época, em que é preciso combater uma extrema direita, em que há guerras constantes e crises econômicas periódicas, que "Alien: Romulus" se volte novamente para a classe minoritária e trabalhadora, precarizada como nunca pela tecnologia (aplicativos como Uber e iFood).
O diretor uruguaio Fede Álvarez, especialista em renovar franquias (como fez em "A Morte do Demônio") e em confinar jovens em espaços diminutos numa atmosfera de tensão (como fez de maneira excepcional em "O Homem nas Trevas"), consegue costurar "Alien: O Oitavo Passageiro" com a prequela "Prometheus", ao trazer de volta a mitologia do patógeno (um óleo negro, capaz tanto de matar como de perpetuar a vida, em uma forma monstruosa, tendo na sua forma mais consagrada a figura do Xenomorfo).
Simbolicamente, o patógeno evoca, nos nossos tempos, o petróleo, objeto de interesse de grandes corporações, que não evitam de passar por cima de tudo e todos para obtê-lo, evocando os diversos monstros vistos na franquia (não à toa, quando essa mitologia é apresentada em Prometheus, o android David se espelha constantemente com T. E. Lawrence, o militar britânico ligado à Revolta Árabe de 1916-1918, que exerceu influência na partilha do oriente - motivada, sobretudo, pela necessidade de acesso ao petróleo - representado no filme "Lawrence da Arábia").
O filme equilibra muito bem a atmosfera de terror com a de ficção científica, muito por causa da trilha sonora de Benjamin Wallfisch, que evoca os filmes de terror oitentistas (isso é reforçado pela presença de um maquinário retrô, que se insere muito bem na ambientação entre os dois primeiros filmes da franquia), numa aura meio Jerry Goldsmith e Christopher Young, mas também por conta da atmosfera de tensão construída pelo diretor e pela escuridão constante que carrega em si as criaturas ameaçadoras da trama.
O filme critica a precarização do trabalho e a condição do proletariado, mas contribui para que essa precarização aconteça, ao trazer uma figura que evoca um personagem do filme original, na figura do seu intérprete, já morto, algo que soa antiético, principalmente num contexto pós greve dos atores, soando como uma imposições do estúdio e como um fanservice desnecessário.
O cinema de terror, subestimado, dado ao seu baixo orçamento ou ao seu caráter trash, debate temas que são evitados no cinema dito mais refinado. Nos recentes "Imaculada" e "A Primeira Profecia", o abuso do corpo da mulher é colocado em evidência, bem como o discurso pró-aborto. Em "Alien: Romulus" essa discussão encontra continuidade, numa cena final que uma personagem, ao ter a sua gestação desvirtuada, não manifesta o dito "instinto materno", comumente retratado no cinema mais conservador.
Dessa forma, "Alien: Romulus" ajusta a abordagem dessa nova imaginação da franquia Alien, voltando-se para a sua essência, gerando momentos inesquecíveis, como a sequência do corredor em gravidade zero, evocando uma atmosfera de terror trash construída a partir de efeitos práticos, pelo carisma de seus interpretes e pela paixão de seu realizador.
Direção: Fede Álvarez
Roteiro: Fede Álvarez, Rodo Sayagues
Montagem: Jake Roberts
Fotografia: Galo Olivares
Trilha Sonora: Benjamin Wallfisch
Elenco: Cailee Spaeny, David Jonsson, Archie Renaux, Isabela Merced, Spike Fearn, Aileen Wu, Rosie Ede, Soma Simon, Bence Okeke, Viktor Orizu, Robert Bobroczkyi, Trevor Newlin, Annemarie Griggs, Daniel Betts
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