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sexta-feira, 25 de novembro de 2016 às 08:10 Postado por Gustavo Jacondino 0 Comments


Existe um momento na vida de um ser humano que ele experimenta um sentimento mais forte que seu instinto de conservação ou seu amor próprio. Muitos chamam de empatia, ou amor. Mães o sentem por seus filhos, alguns amantes compartilham desse laço, irmãos muitas vezes criam um elo dessa forma e mesmo grandes amizades são guiadas por essa sensação. Essa sensação nos define como seres humanos e é aquilo que de melhor há em nós. Mas e se soubéssemos que iríamos nos machucar nesse processo, que a relação seria dolorosa no longo prazo e haveria muito sofrimento envolvido? Se pudéssemos escolher viver esse amor, sabendo como seria essa experiência antes de vivê-la, será que mesmo assim a viveríamos? Por mais dolorosa que fosse? É sobre a complexidade dessas questões que o mais novo filme do cineasta Denis Villeneuve, “A Chegada”, trata. 


Quando seres extraterrestres pousam doze "naves" na terra, uma linguista é chamada pra tentar se comunicar com os alienígenas e descobrir suas intenções. Denis Villeneuve, assim como fizera em filmes anteriores, como “O Homem Duplicado” ou “Sicario”, mostra que independente do enredo que tem em mãos, a direção contida, precisa e cirúrgica, aliada a uma fotografia, nesse caso de Bradford Young, que rima tematicamente com o longa, e uma trilha sonora, aqui do brilhante Jóhann Jóhannsson, que nunca mastiga as emoções para o espectador, evitando dizer o que ele deve sentir em cada momento, tudo isso é capaz de construir um cinema envolvente e digno dos grandes mestres. 



A direção de Villeneuve não tem pressa em estabelecer os fatos, a montagem de Joe Walker conta com cortes secos que transitam entre as situações narradas com muito ritmo e fluidez, contando com uma introdução das mais poéticas, líricas e tocantes, que já serve para estabelecer a Dra. Louise Banks em poucos minutos de filme. Quando o longa passa a tecer discussões sobre memória e tempo, é praticamente impossível de deixar de notar como a montagem cinematográfica é capaz de fragmentar o tempo de maneira muito parecida como o nossa memória é capaz fragmentar as lembranças. 

A fotografia dessaturada, variando entre o uso cinza e do amarelo árido, combina com as emoções da personagem interpretada por Amy Adams, constrói o clima melancólico do filme e torna o CGI usado ao longo da projeção muito orgânico. A trilha sonora possui temas que evocam o caráter meticuloso da narrativa e constroem um clima que vai estabelecendo o caráter lírico da trama. 
Amy Adams como Louise Banks é o coração do filme, apresentando uma atuação perfeita. O seu entendimento de Louise é completo, construindo todas as nuances da personagem de maneira coerente e realmente tocante, além da inteligência e sagacidade da personagem ao exercer o seu ofício de linguista. Quando nos aproximamos do desfecho do longa é que notamos o grau de coerência estabelecido pela atriz em sua personagem, algo que a montagem ajuda a construir também. Jeremy Renner encarna o físico Ian Donnelly, deixando em evidência a sua paixão pela ciência e sua competência, além de conferir momentos de humor em contraste à tensão construída pelo longa, produzindo um forte equilíbrio na narrativa. Forest Whitaker vive o seu coronel Weber num misto de autoridade e inteligência, num tom ponderado, conseguindo formar um grupo perspicaz com Louise e Ian, à medida que vão tentando se comunicar com os seres alienígenas. É nessa tentativa que o longa começa a discorrer sobre a heterogeneidade da raça humana, sobre a falta de união da humanidade e sobre os preconceitos, medos e a agressividade decorrente da presença daquilo que é diferente (no caso do filme, as naves alienígenas, mas a metáfora é clara e convidativa). A presença e do agente Halpern, interpretado por Michael Stuhlbarg exerce essa função. Assim como em “Contato”, de Robert Zemeckis, o cenário construído é bem realista no que se refere às reações que haveriam caso fôssemos visitados por outros seres pensantes. 



Toda a discussão sobre a linguagem como expressão da maneira de pensar, sobre pensamento linear e não-linear e a decodificação da mensagem é envolvente, momento em que o filme vai construindo um clima racional e lógico muito bem encadeado, gerando curiosidade em relação à mensagem recebida e algumas conclusões sobre interpretação e tradução. O filme aborda muito bem a noção de que antes que se queira saber o que se quer comunicar, a língua em que se comunica é a principal ferramenta de transmissão de ideias. Note quando, em dado momento do longa, ocorre a menção que está sendo utilizada uma linguagem referente a um jogo, evidenciando o quanto a escolha é inapropriada e perigosa. Podemos verificar o quanto o filme acerta em tratar o tradutor praticamente como um autor, ou coautor, do texto traduzido, pois este dita o tom e a conotação da mensagem construída e necessita ter uma percepção e interpretação plena do conteúdo da mensagem. 

Mas é no seu desfecho que toda a trama mostra o seu potencial. Assim como fizera “Solaris”, “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, “Stalker” e “Contato”, este “A Chegada” constrói um questionamento muito humanista e usa a ficção científica como desculpa para explorar o comportamento humano, sem a pretensão de que cheguemos ao final da experiência com todas as respostas, mas sim com questionamentos relevantes, algo muito mais valioso e que já faz desse filme mais um grande clássico do gênero. 



Direção: Denis Villeneuve

Elenco: Amy Adams, Jeremy Renner, Forrest Whitaker, Michael Stuhlbarg, Tzi Ma

Roteiro: Eric Heisserer, baseado no conto “Story of Your Life”, de Ted Chiang

Fotografia: Bradford Young

Montagem: Joe Walker

Música: Jóhann Jóhannsson

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