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quarta-feira, 27 de setembro de 2017 às 11:01 Postado por Gustavo Jacondino 0 Comments


Quando estreou nos cinemas, “A Vigilante do Amanhã - Ghost in the Shell” passou - me a  forte impressão de um filme que contava com um departamento de arte primoroso e uma ambientação fortemente inspirada em “Blade Runner”. A sequência inicial que retrata a ciborgue Major interpretada por com muito charme e competência por Scarlett Johansson é simplesmente espetacular pelo seu realismo e inquietante por nos fazer enxergar um corpo humano sintetizado. Mas a frustração causada por este filme só cresce ao percebemos que quando este se pretende discorrer sobre a condição de sua protagonista, sua razão de ser, suas sensações, percepções e sobre a principal questão do filme, o que a diferencia de um ser humano, o roteiro não desenvolve questionamentos instigantes, mas se limita a filosofar com frases de efeito. Sua conclusão deixa muito a desejar e quando vemos a protagonista destroçar seu próprio corpo num tanque-aranha temos a sensação de assistir a algo visualmente brilhante, mas com um enredo imaturo ainda, dando a impressão de uma oportunidade perdida.



Os enquadramentos acima exploram o visual espetacular construído pelo filme.




Ao assistir a animação de 1995, disponível na Netflix, essa sensação é frustração em relação ao filme é intensificada. A animação, ao contrário do filme, investe numa ambientação que remete ao clima cyberpunk pré Matrix, mas que claramente serviu de inspiração para a obra das irmãs Wachowski, como podemos notar na introdução que usa números na cor verde-esmeralda. A sequência inicial da ciborgue sendo sintetizada serviu de inspiração para o filme de 2017, e era um dos seus pontos fortes, porém o live-action peca em não usar a trilha sonora original nesta sequência, que é espetacular, imersiva e inquietante. À medida que avança a animação, que é cerca de meia hora mais curta que o filme, mostra-se imensamente superior. Com um ritmo mais lento e cadenciado, que reforça a solidão de Motoko em sua busca pela própria identidade, a animação constrói um discurso filosófico mais conciso quando fala sobre memória, que se refere como algo que não sabemos definir o que é, mas que usamos para nos definir humanos, sobre autoconsciência e corpo. Enquanto o live-action se limita em citar frases de efeito, o anime faz longos questionamentos e produz um xadrez de ideias que constantemente nos deixa em xeque, me obrigando a pausar e voltar em alguns momentos a fim de absorver o conteúdo daquelas falas. O desfecho do live-action, explorando o passado da personagem e do vilão, mostra-se um grande erro, principalmente visto sobre o prisma do anime.




No anime há espaço para a reflexão e ação, numa ambientação única de um espaço cybepunk pós Blade Runner e pré Matrix 

O vilão aqui, o Mestre dos Fantoches, é um programa que tomou consciência da sua própria existência, mas reconhece que não traz consigo as características de um ser vivo, como a reprodução e a mortalidade. É uma inteligência artificial que pode assumir qualquer forma para si, e o desfecho do anime, que conta com continuações, é inquietante pelas possibilidades que permite.

O Mestre dos Fantoches num dos grandes momentos do desfecho do anime. Reparem como o enquadramento que une os rostos do vilão e de Motoko é bem sugestivo para o que irá acontecer depois.

SPOILERS - Leia somente se já assistiu o filme

Ao assumir o corpo de uma mulher, o Mestre dos Fantoches se estabelece como uma figura enigmática e poderosa, mas que, mais preocupado com sua natureza do que em ter atitudes maniqueístas de vilão , propõe a Motoko unir-se a ela. Essa fusão dessas duas inteligências, uma formada por um corpo ciborgue com um cérebro humano e outra formada essencialmente de uma grande quantidade de dados, é capaz de gerar uma terceira entidade, que vemos ao final do longa, apropriadamente num corpo de criança. Nesse momento recordei da abordagem empregada por José Padilha em sua refilmagem de “Robocop”. Se num primeiro momento Murphy é mais máquina que homem, as lembranças e sentimentos próprios de sua humanidade afloram, fazendo com que no terceiro ato aja a perfeita junção do homem com a máquina e tornando o controle sobre ele inesperado, uma vez que  o sistema agora inclui um cérebro humano tornando as suas reações e respostas não tão previsíveis quanto se poderia esperar. Naturalmente essa visão também pode se aplicar ao “Robocop” clássico de Paul Verhoeven.




Os enquadramentos acima reforçam a solidão de Motoko e sua busca existencial pela própria essência.

O fato é que o anime “O Fantasma do Futuro” traz ideias mais provocantes e reflexões realmente bem construídas que o live-action, além do fato de contar com uma boa dose de violência, lutas bem orquestradas, um ritmo mais lento que contribui para o desenvolvimento da personagem principal e um casamento interessante entre a cultura cyberpunk construída por “Blade Runner” e posteriormente pelo livro “Neuromancer”, de William Gibson, com a cultura japonesa que evoca uma espiritualidade muito presente, forçando as línguas ocidentais a procurar nas palavras “fantasma” e “alma” a essência presente no ser humano tão almejada pela ciborgue Major.


O vídeo acima compara enquadramentos do filme que remetem diretamente ao anime.



A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell (2017)

Direção: Rupert Sanders

Elenco: Scarlett Johansson , Pilou Asbæk , Chin Han , Anamaria Marinca , Danusia Samal , Rila Fukushima , Peter Ferdinando , Yutaka Izumihara , Kaori Momoi , Michael Wincott , Michael Pitt, Juliette Binoche , Takeshi Kitano , Daniel Henshall

Roteiro: Jamie Moss , William Wheeler , Ehren Kruger

Fotografia: Jess Hall

Música: Lorne Balfe

Montagem: Neil Smith , Billy Rich , Billy Rich

Design de Produção: Jan Roelfs

Figurino: Kurt and Bart






O Fantasma do Futuro (1995)

Direção: Mamoru Oshii      
         
Roteiro: Shirow Masamune, Kazunori Itô, baseado no mangá de Masamune Shirow

Elenco: Atsuko Tanaka, Akio Ôtsuka, Kôichi Yamadera, Yutaka Nakano, Tamio Ôki, Tesshô Genda, Namaki Masakazu, Masato Yamanouchi, Shinji Ogawa, Mitsuru Miyamoto, Kazuhiro Yamaji, Shigeru Chiba, Hiroshi Yanaka, Ginzô Matsuo      
        
Música: Kenji Kawai     

Fotografia: Hisao Shirai

Montagem: Shûichi Kakesu      

Design de Produção: Takashi Watabe

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