Quando estreou nos cinemas, “A Vigilante do Amanhã - Ghost
in the Shell” passou - me a forte
impressão de um filme que contava com um departamento de arte primoroso e uma
ambientação fortemente inspirada em “Blade Runner”. A sequência inicial que
retrata a ciborgue Major interpretada por com muito charme e competência por Scarlett
Johansson é simplesmente espetacular pelo seu realismo e inquietante por nos
fazer enxergar um corpo humano sintetizado. Mas a frustração causada por este
filme só cresce ao percebemos que quando este se pretende discorrer sobre a
condição de sua protagonista, sua razão de ser, suas sensações, percepções e
sobre a principal questão do filme, o que a diferencia de um ser humano, o
roteiro não desenvolve questionamentos instigantes, mas se limita a filosofar
com frases de efeito. Sua conclusão deixa muito a desejar e quando vemos a
protagonista destroçar seu próprio corpo num tanque-aranha temos a sensação de
assistir a algo visualmente brilhante, mas com um enredo imaturo ainda, dando a
impressão de uma oportunidade perdida.
Os enquadramentos acima exploram o visual espetacular construído pelo filme.
Ao assistir a animação de 1995, disponível na Netflix, essa
sensação é frustração em relação ao filme é intensificada. A animação, ao
contrário do filme, investe numa ambientação que remete ao clima cyberpunk
pré Matrix, mas que claramente serviu de inspiração para a obra das irmãs Wachowski,
como podemos notar na introdução que usa números na cor verde-esmeralda. A
sequência inicial da ciborgue sendo sintetizada serviu de inspiração para o
filme de 2017, e era um dos seus pontos fortes, porém o live-action peca em não
usar a trilha sonora original nesta sequência, que é espetacular, imersiva e inquietante.
À medida que avança a animação, que é cerca de meia hora mais curta que o
filme, mostra-se imensamente superior. Com um ritmo mais lento e cadenciado, que
reforça a solidão de Motoko em sua busca pela própria identidade, a animação
constrói um discurso filosófico mais conciso quando fala sobre memória, que se
refere como algo que não sabemos definir o que é, mas que usamos para nos
definir humanos, sobre autoconsciência e corpo. Enquanto o live-action se
limita em citar frases de efeito, o anime faz longos questionamentos e produz
um xadrez de ideias que constantemente nos deixa em xeque, me obrigando a
pausar e voltar em alguns momentos a fim de absorver o conteúdo daquelas falas.
O desfecho do live-action, explorando o passado da personagem e do vilão,
mostra-se um grande erro, principalmente visto sobre o prisma do anime.
No anime há espaço para a reflexão e ação, numa ambientação única de um espaço cybepunk pós Blade Runner e pré Matrix
O vilão aqui, o Mestre dos Fantoches, é um programa que
tomou consciência da sua própria existência, mas reconhece que não traz consigo
as características de um ser vivo, como a reprodução e a mortalidade. É uma
inteligência artificial que pode assumir qualquer forma para si, e o desfecho
do anime, que conta com continuações, é inquietante pelas possibilidades que
permite.
SPOILERS - Leia somente se já assistiu o filme
O Mestre dos Fantoches num dos grandes momentos do desfecho do anime. Reparem como o enquadramento que une os rostos do vilão e de Motoko é bem sugestivo para o que irá acontecer depois.
SPOILERS - Leia somente se já assistiu o filme
Ao assumir o corpo de uma mulher, o Mestre dos Fantoches se
estabelece como uma figura enigmática e poderosa, mas que, mais preocupado com
sua natureza do que em ter atitudes maniqueístas de vilão , propõe a Motoko
unir-se a ela. Essa fusão dessas duas inteligências, uma formada por um corpo
ciborgue com um cérebro humano e outra formada essencialmente de uma grande
quantidade de dados, é capaz de gerar uma terceira entidade, que vemos ao final
do longa, apropriadamente num corpo de criança. Nesse momento recordei da
abordagem empregada por José Padilha em sua refilmagem de “Robocop”. Se num
primeiro momento Murphy é mais máquina que homem, as lembranças e sentimentos
próprios de sua humanidade afloram, fazendo com que no terceiro ato aja a
perfeita junção do homem com a máquina e tornando o controle sobre ele inesperado,
uma vez que o sistema agora inclui um
cérebro humano tornando as suas reações e respostas não tão previsíveis quanto
se poderia esperar. Naturalmente essa visão também pode se aplicar ao “Robocop”
clássico de Paul Verhoeven.
Os enquadramentos acima reforçam a solidão de Motoko e sua busca existencial pela própria essência.
O fato é que o anime “O Fantasma do Futuro” traz ideias mais
provocantes e reflexões realmente bem construídas que o live-action, além do
fato de contar com uma boa dose de violência, lutas bem orquestradas, um ritmo
mais lento que contribui para o desenvolvimento da personagem principal e um
casamento interessante entre a cultura cyberpunk construída por “Blade Runner”
e posteriormente pelo livro “Neuromancer”, de William Gibson, com a cultura
japonesa que evoca uma espiritualidade muito presente, forçando as línguas
ocidentais a procurar nas palavras “fantasma” e “alma” a essência presente no
ser humano tão almejada pela ciborgue Major.
O vídeo acima compara enquadramentos do filme que remetem diretamente ao anime.
A Vigilante
do Amanhã: Ghost in the Shell (2017)
Direção: Rupert
Sanders
Elenco: Scarlett
Johansson , Pilou Asbæk , Chin Han , Anamaria Marinca , Danusia Samal , Rila
Fukushima , Peter Ferdinando , Yutaka Izumihara , Kaori Momoi , Michael Wincott
, Michael Pitt, Juliette Binoche , Takeshi Kitano , Daniel Henshall
Roteiro: Jamie
Moss , William Wheeler , Ehren Kruger
Fotografia: Jess Hall
Música: Lorne Balfe
Montagem: Neil
Smith , Billy Rich , Billy Rich
Design de
Produção: Jan Roelfs
Figurino: Kurt
and Bart
O Fantasma do Futuro (1995)
Direção:
Mamoru Oshii
Roteiro: Shirow Masamune, Kazunori Itô, baseado no mangá de
Masamune Shirow
Elenco:
Atsuko Tanaka, Akio Ôtsuka, Kôichi Yamadera, Yutaka Nakano, Tamio Ôki, Tesshô
Genda, Namaki Masakazu, Masato Yamanouchi, Shinji Ogawa, Mitsuru Miyamoto,
Kazuhiro Yamaji, Shigeru Chiba, Hiroshi Yanaka, Ginzô Matsuo
Música: Kenji Kawai
Fotografia: Hisao Shirai
Montagem: Shûichi Kakesu
Design de Produção: Takashi Watabe
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