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sábado, 3 de setembro de 2016 às 14:40 Postado por Gustavo Jacondino 0 Comments


 Comemorando os 50 anos da franquia Star Trek  e  finalizando a trilogia iniciada em 2009 por J.J.  Abrams, “Star Trek: Sem Fronteiras” homenageia a série de maneira bem original e atual, se revelando um filme cheio de energia e, aparentemente, despretensioso.

Começando com a tripulação da USS Enterprise no terceiro anos de uma missão de cinco anos, ao longo do enredo percebemos certo desgaste no relacionamento dos personagens e destes com sua missão. Se ao longo dos filmes e da série clássica víamos um James T. Kirk compenetrado e seguro de sua posição, aqui vemos Chris Pine encarnar um líder ainda em formação. Spock, sempre tão racional e lógico, tem ao longo da franquia com seu maior desafio a compreensão dos sentimentos humanos e da própria aceitação da sua natureza, em parte humana. Aqui essa compreensão ainda é um desafio ao personagem, e Zachary Quinto é excepcional em criar todas as nuances do personagem. O Doutor McCoy de Karl Urban, geralmente explorado como alívio cômico nos filmes de Abrams, aqui revela algo que sempre guardou ao longo da mitologia da série, uma interessante personalidade passional e impulsiva, que cria um belo contraste com a personalidade de Spock, gerando momentos de humor, mas acima de tudo construindo o companheirismo e o respeito entre os personagens, mesmo que eles tenham personalidades e ideologias tão diferentes. Uhura aqui aparece menos passiva e toma decisões importantes ao longo do filme, encarnada de maneira segura por Zoe Saldana. Montgomery Scott de Simon Pegg, que também escrevera o roteiro do filme, consegue ir além do humor, caracterizando um personagem esperto e experiente em seu ofício. O Sulu de John Cho tem seus momentos de liderança e exala a segurança e confiança necessária. Jaylah conta com um visual dos mais interessantes de Star Trek, mas também com motivações e certa resiliência que o roteiro dá conta de explorar e a atriz Sofia Boutella consegue ser crível todo o tempo que tem em tela, mesmo debaixo de uma maquiagem que por vezes compromete suas expressões. Chekov é bem explorado de maneira funcional e cômica, e é triste termos que perceber que a o talentoso e jovem ator Anton Yelchin não se encontra mais entre nós, algo que junto com a citação ao Spock de Leonard Nimoy, que também falecera, gera momentos emocionantes ao longo do filme.

Justin Lin consegue imprimir, desde o início, ritmo e segurança à narrativa, com certa dose de agilidade, mas dando o devido tempo às cenas memoráveis, como a que envolve um ataque sofrido pela Enterprise no primeiro ato do filme, algo narrado em grande escala pelo diretor , que recorre ao slow motion em dado momento e que caracteriza um momento marcante ao longo da franquia, apesar CGI pesado que envolve a cena. A aparente obsessão do diretor por travellings e planos inclinados (planos holandeses) ajudam a construir um clima de tensão e dar ritmo pra várias sequências e, apesar de algumas sequências de duelos sofrem o mal clássico cometido pela grande maioria dos diretores de ação de picotar a cena demais, há grandes momentos em que a ação se desenrola de maneira clara e envolvente e algumas lutas, com destaque para uma que envolve um resgate realizado por uma moto, ganharem muito com os travellings e ângulos realizados pelo diretor.

A maquiagem dos alienígenas que aparecem ao longo do filme é muito crível e um dos destaques, além da já citada Jaylah, é a Kalara, de Lydia Wilson. A maquiagem, aliada ao figurino excelente, que confere mais detalhes de alguns uniformes dos tripulantes da Enterprise e traz de volta o manto negro usado por Spock em “A Ira de Khan”, ajudam o construir um visual marcante para o longa.

A fotografia, que se caracterizava nos longas de Abrams por ter presente uma das obsessões desse diretor, os lens flares, (efeito ótico causado quando a luz incide diretamente através da lente câmera causando manchas de luz , algo que Abrams fazia questão de produzir em seus filmes) desta vez chama menos a atenção para a incidência de flares do que em “Além da Escuridão - Star Trek” , e compõe uma palheta de cores viva e vibrante.

A música composta por Michael Giacchino é eficiente ao criar tensão e senso de aventura, além de evocar o ótimo tema principal composto pelo próprio Giacchino, que ao lado da trilha original de Alexandre Courage constituem os temas mais marcantes e envolventes da franquia.

O roteiro, escrito por Simon Pegg e Doug Jung, nunca perde de vista a intenção de homenagear a série neste filme e toma cuidado para que todos os personagens tenham motivações compreensíveis e que cada decisão tomada na narrativa encontre uma justificativa bem estruturada. Particularmente gosto muito de como o uso as músicas “Fight The Power”, do Public Enemy e “Sabotage”, do Beastie Boys justificam a sua existência dentro do longa, permitindo Justin Lin criar momentos realmente  empolgantes, principalmente em “Sabotage”, se lembrarmos que em “Star Trek” de J. J. Abrams o jovem Kirk fora apresentado com essa música.
 

Star Trek desde a sua concepção em forma de série de televisão, criada por Gene Roddenberry e que foi ao ar de 1966 até 1969, tinha um ar otimista e progressista, por unir numa tripulação representes de diversos povos, um inglês, um americano, um russo, um asiático, além de uma mulher negra, em plena explosão do racismo, dos movimentos feministas, e no auge da Guerra Fria. Pois os dois primeiros filmes dessa nova trilogia iniciada em 2009 vinham abordando a ameaça do terrorismo, tendo inclusive em “Além da Escuridão” uma referência ao 11 de Setembro. Neste “Star Trek: Sem Fronteiras”, que conta com a alusão à homossexualidade de um dos personagens, contamos com uma citação ao ciberterrorismo e uma reflexão sobre os atos terroristas visto de uma maneira diferente. Ao invés de enxergar seus oponentes como uma raça diferente ou um resultado de engenharia genética, temos aqui um vilão que se revela possuído por algo mais crível que o desejo de superioridade ou vingança. O nosso antagonista, Krall, interpretado pelo ótimo Idris Elba, procura, dominado pela insanidade que o roteiro é eficiente em justificar, uma razão para existir. Como os nossos personagens principais, que aparentavam desde o início desgaste e desmotivação, o antagonista representa o desgaste da falta de propósito que ele sofre e, a medida que vamos descobrindo sua história, sua aparência vai se tornando cada vez mais familiar e menos estranha, revelando sua verdadeira natureza. Krall entra facilmente na rica galeria de vilões complexos de Star Trek.

Assim, completando a revitalização da clássica franquia, “Star Trek: Sem fronteiras”, no seu desfecho, conta com um plano que demonstra que Justin Lin entende muito bem o espírito da série. Enquadrando Kirk, Spock e McCoy num mesmo frame, como se fossem os diferentes aspectos de uma mesma personalidade, um mais racional, outro mais impulsivo e um líder que mantém os dois impulsos em equilíbrio (Ego , Id e Superego), seguido de um plano que junta todos os tripulantes da Enterprise,  a essência de Star Trek está em sonhar com a coexistência pacífica de diferentes povos, algo tão otimista que nos dias de hoje ainda soa, infelizmente, como uma utopia.



Direção: Justin Lin

Roteiro: Simon Pegg e Doug Jung

Elenco: Chris Pine, Zachary Quinto, Karl Urban, Zoe Saldana, Simon Pegg, John Cho , Anton Yelchin, Idris Elba, Sofia Boutella , Joe Taslim, Lydia Wilson

Música: Michael Giacchino

Fotografia: Stephen F. Windon

Montagem: Greg D'Auria , Dylan Highsmith , Kelly Matsumoto , Steven Sprung

Design de Produção: Thomas E. Sanders

Figurino: Sanja Milkovic Hays



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