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quinta-feira, 11 de outubro de 2012 às 12:15 Postado por Gustavo Jacondino 0 Comments

Festival de Cannes, 1960. O filme vaiado pelo público será celebrado por influentes críticos e cineastras por meio de uma declaração e apontado como segundo melhor filme já feito pela revista Sight & Sound três anos depois. “A Aventura” estabelece o já consagrado Michelangelo Antonioni e é o seu divisor de águas tanto para sua carreira quanto para o cinema. Um grupo de romanos burgueses resolve ir para um cruzeiro, parando numa pequena e desolada ilha rochosa para uma tarde de ócio, até que Anna (Lea Massari) desaparece. A sua amiga Claudia (Monica Vitti) e seu namorado Sandro (Gabriele Ferzetti), com o qual tem uma problemática relação que é sugerida, procuram pela jovem.

Aliás, em “A Aventura” tudo é simplesmente sugerido, como o tubarão e o barco misterioso que aparecem em dado momento em cena, que podem servir de possíveis explicações para o desaparecimento de Anna. Esta inclusive inventara que vira um tubarão, terminando com a tarde de banhos dos amigos e demonstrando que algum sentimento indeterminado que varia entre a insatisfação e a monotonia, tudo com alguma culpa, atrapalhava o relacionamento com Sandro. Se inventara ou não o tubarão, se fora pega por ele ou não, se fugira para realizar o seu desejo de estar sozinha e longe de Sandro, não importa e nem essa é a preocupação de Antonioni. Naquele ponto esse já havia estabelecido as pessoas pelas quais teria o interesse de estudar ao longa da narrativa, e o posterior romance que se constrói de maneira intensa e vívida por Claudia e Sandro é a cereja do bolo, que já fora sugerido pelo plano da janela em que Anna, no apartamento de Sandro, se deita em sua cama e vemos Claudia olhar da rua e Sandro reagindo com o fechar da cortina. 

Dessa forma, a busca desesperada por Anna vai se transformando em um amor culpado vivido por Claudia, e é instigante vermos como a culpa caminha de dentro para fora. Quando esta já se rende ao romance com Sandro, numa maravilhosa sequência filmada por Antonioni, vemos que a culpa de Claudia agora se apresenta sob os olhares de desejo e curiosidade vindos dos homens que lhe rodeiam, numa espécie de retrato subjetivo de uma alma atormentada pelo desejo. Por essa razão a busca por pistas de Anna se converte numa descoberta sexual pelo casal, uma desculpa para viverem uma paixão, tanto que não mais esperam encontrar a desaparecida, mas unicamente encontrar um espaço para estarem juntos.

Um curioso fato que permeia “A Aventura” é sua semelhança com “Psicose” por apresentar na premissa o elemento da “protagonista” que morre no meio do filme. A sempre interessante inversão de expectativas. Poderíamos traçar paralelos com “A Doce Vida”, que encontra também a sua equivalente estrela de Anita Ekberg do filme de Fellini, na pele da escritora interpretada por Dorothy De Poliolo. Curioso o fato, uma vez que as três produções datam de 1960.

É notável perceber o efeito conseguido por Antonioni através do olhar perdido e gestos fúteis de seus personagens, que ele insiste em filmar, tornando simples sequências em longos momentos de introspecção e verdade que o  cineasta consegue retratar como poucos. Podemos muitas vezes, ao assistir ao “A Aventura”, pararmos para pensar na vida e nos perdermos nos olhos de Monica Vitti, mas terminamos por perceber na traição de Sandro a quebra de uma promessa, e no perdão de Claudia a esperança no feminino que pode resistir ao advento da burguesia, das horas preenchidas por ócio, de fraudes e do sexo fácil. Mas podemos temer que Claudia possa partilhar de sentimentos similares aos de Anna no início do longa.

L'Avventura, 1960

Direção: Michelangelo Antonioni

Roteiro: Michelangelo Antonioni, Elio Bartolini, Tonino Guerra

Produção: Cino del Duca

Fotografia: Aldo Scavarda

Música: Giovanni Fusco

Elenco: Gabriele Ferzetti, Monica Vitti, Lea Massari, Dominique Blanchar, Renzo Ricci, James Addams, Dorothy De Poliolo, Lelio Luttazzi, Giovanni Petti, Esmeralda Ruspoli, Jack O'Connell, Angela Tommasi Di Lampedusa, Franco Cimino, Prof. Cucco, Giovanni Danesi, Rita Mole, Renato Pinciroli, Enrico Bologna, Vincenzo Tranchina, Valeria Perri


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