A Doce Vida é um filme sobre a trivialidade, futilidade e almas angustiadas e condenadas. Na verdade, é um épico sobre o assunto.
O jornalista Marcello esforça-se para encontrar o seu lugar no mundo, dividido entre o fascínio da elite romana e a domesticidade sufocante oferecida pela namorada, durante todo o tempo à procura de um caminho para se tornar um escritor sério.
Ao mesmo tempo em que pretende mostrar a queda de seus personagens e seus mundos vazios, "A Doce Vida" também passa um encanto e fascínio desse mundo. A expressão paparazzi vem do personagem Paparazzo, que simboliza a multidão de repórteres fotográficos que aparecem seguidamente em cena. Marcello Mastroianni encarna a queda em seu sentido mais amargo, porém em sua forma mais cool, com seus belos ternos e óculos escuros. Ele já fora um escritor sério, mas agora é só um jornalista barato no meio da alta sociedade romana no verão de 1959. Entre esses bon-vivants estão príncipes, políticos, artistas sem talento e mais um tanto de sujeitos. A própria trivialidade está presente na declaração de amor de Marcello à atriz americana Sylvia, que antes ele desdenhara, e agora ela o desdenha da maneira mais infantil possível. A relação destrutiva de Marcello com sua namorada só faz aumentar o declínio de um homem que desaprendeu a amar a si próprio e consequentemente é incapaz de amar outra pessoa. Mas o vazio de sua existência se consuma com uma série de mortes, fazendo Marcello desistir de qualquer tentativa de ter um emprego sério de que tenha interesse. E é perturbador ver a multidão de fotógrafos que cercavam Sylvia agora cercando uma pobre dona de casa que nada sabe da tragédia, ficando ela feliz na hora por achar que estão confundindo-a com uma atriz. Depois de testemunharmos uma intensa briga com a namorada seguida de uma reconciliação tão artificial quanto à vida daquelas pessoas, descobrimos que Marcello se tornara assessor de imprensa, afundando ainda mais em sue buraco, numa daquelas festas burguesas regadas à bebida e sensualidades torpes que só uma alma que grita por socorro consegue fazer.
E se a vida deu a Marcello mais uma chance para reacender a esperança em seu futuro, só poderemos crer que este não consegui escutar, do mesmo modo que não escutou a bela e angelical menina que tentava conversar com ele numa praia ao final do filme. Marcello preferiu voltar aos amigos e à vida a que já está habituado, embora não satisfeito. Fellini conclui o seu A Doce Vida com o olhar esperançoso da jovem que tentara se fazer ouvir, mas sem sucesso.
Direção: Federico Fellini
Roteiro: Federico Fellini, Ennio Flaiano, Tullio Pinelli, Brunello Rondi, Pier Paolo Pasolini (não creditado)
Elenco: Marcello Mastroianni, Anita Ekberg, Anouk Aimée, Yvonne Furneaux, Magali Noël, Alain Cuny, Annibale Minchi, Walter Santesso, Lex Barker, Jacques Sernas, Nadia Gray, VAleria Ciangottini, Riccardo Garrone, Ida Galli, Audrey McDonald
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