“O Agente Secreto” funciona como um fluxo de consciência sobre a história recente do Brasil, contrastando a década de 1970 com os dias atuais. O passado tem charme, é violento, estético, vivo, tem cor. O presente é asséptico - não à toa o filme termina num hospital - e sem vida, se estabelecendo como uma grande incógnita, um incômodo vazio de lembranças.
O longa encarna o sintoma do país em ignorar a sua história e passar a borracha em momentos cruciais. Nesse sentido, lembra muito “Cabra Marcado para Morrer”. Para construir essa lembrança de um passado cheio de nuances e intrigas, a câmera do Kleber é fantasmagórica: flutua pelos espaços de maneira fluida, operando toda a sorte de técnicas caras ao diretor, como o zoom (que remete à revelação e denúncia em meio à ditadura), o split screen (ou tela dividida, que confere tensão e suspense) e o split diopter (que põe o foco em dois pontos cruciais de uma cena), contando com uma fotografia impressionista elegante e conseguindo fazer rima com o cinema estadunidense da década de 1970.
Essa referência ao cinema estadunidense do passado confere nostalgia ao filme, todavia se nega em reproduzir clichês hollywoodianos, mas apenas lembrar de um passado que envolve esses filmes. Ademais, Kleber soma à essa nostalgia uma gama de personagens empáticos e um olhar muito acurado sobre as particularidades do Brasil, que vão desde às tradições populares até a herança do coronelismo e o preconceito racial histórico que preenche nossos os espaços políticos e sociais até hoje.
A história da perna cabeluda, que soa como um curta-metragem dentro do filme, indica a presença da realidade e a lacuna deixada para a ficção, oriunda de uma ocultação política marcada pela violência. É por meio da ficção e dos contos populares que o imaginário do Brasil processa suas injustiças e sua história - mais uma vez remetendo a outro filme de Eduardo Coutinho: “Santo Forte”.
Essa fuga para o imaginário pode ser alienante, quando explorado como instrumento de controle, mas também pode ser libertador, pois é uma maneira de sermos donos de nossa história. Kleber se vale disso para enxergar o nosso país sob os olhos do cinema e costurar com sua câmera as lembranças com os restos que sobraram do tecido de nossa história.
Direção: Kleber Mendonça Filho
Roteiro: Kleber Mendonça Filho
Montagem: Eduardo Serrano, Matheus Farias
Fotografia: Evgenia Alexandrova
Trilha Sonora: Mateus Alves, Tomaz Alves de Souza
Elenco: Wagner Moura, Carlos Francisco, Tânia Maria, Robério Diógenes, Roney Villela, Gabriel Leone, Alice Carvalho, Hermila Guedes, Isabél Zuaa, Maria Fernanda Cândido, Thomás Aquino, Laura Lufési, Isadora Ruppert, Igor de Araújo, Ítalo Martins, Udo Kier, João Vitor Silva, Luciano Chirolli, Geane Albuquerque, Fafa Dantas, Suzy Lopes, Gregorio Graziosi, Joálisson Cunha, Aline Marta, Buda Lira, Wilson Rabelo, Erivaldo Oliveira, Enzo Nunes, Márcio De Paula








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