Com uma filmografia coesa, Christopher Nolan explicita em um dos seus filmes a estrutura que usa em todos eles. O filme em questão é O Grande Truque. A trama que envolve a rivalidade entre dois mágicos trás, nos passos que envolve uma mágica, os três atos que o realizador costuma empregar em suas obras. Uma promessa, uma virada e o Grande Truque (do original The Prestige). Em Oppenheimer não faz diferente. A sua promessa consiste em retratar o Projeto Manhattan até o teste da primeira bomba atômica e no processo investigar o sujeito por trás, o Oppenheimer do título.
Construído como dono de uma personalidade destrutiva, que desde o início da projeção vislumbra a sua criação, quase mata um professor e que interrompe um relacionamento com uma mulher instável quando não mais lhe convém, o sujeito é retratado reagindo aos fatos com certo ar de frieza e estoicismo. A abordagem é igualmente distante, por mais que a música de Ludwig Goransson confira um calor e encantamento a certas passagens.
Porém toda essa frieza contribui para uma abordagem racional. As idas e vindas no tempo, selecionadas a partir de temas que o roteiro opta em tratar, remetem a um destino trágico construído desde a juventude. A virada, construída em torno de uma traição motivada por ciúme, torna a trama rica e cada vez mais centrada numa cúpula de poder. O sofrimento causado pela bomba é visto sem muito destaque. O grande sofrimento é o do estoico sujeito que lhe deu origem. Não mostrar o uso da bomba na guerra acaba sendo a saída mais acertada, mesmo que as mortes soem só como números, mesmo que a segurança de acompanhar essa história com o olhar dos mais privilegiados e seguros confira um ar um pouco gélido ao tema.
Nolan é um cineasta que não costuma expor opiniões políticas com muita frequência em seus filmes. Já o fez em O Cavaleiro das Trevas, ao comentar o Ato Patriota de George W. Bush por meio de um aparato usado no filme. Aqui em Oppenheimer não tem como ser imparcial. Se, no primeiro ato, o diretor se esforça em criar um certo encantamento pela descoberta científica, como verniz para a frieza do sujeito biografado, o segundo ato, que retrata toda a consequência do bem sucedido teste, constrói, num tom trágico, toda a desgraça pessoal do indivíduo, sob um olhar objetivo, alternando entre o colorido e o preto e branco, numa estética dentro da tradição de filmes históricos estadunidenses, mas que por vezes até lembra Europa, de Lars Von Trier, que trabalha muito dentro dos códigos do filme noir, gênero caro à Christopher Nolan.
Mas é no seu desfecho que o diretor se permite amarrar a trama com um comentário político e social maduro. O longa finaliza com uma cena que curiosamente remete a Dr. Fantástico, de Stanley Kubrick, mas aqui com o valor completamente invertido, uma vez que o longa de Kubrick, por mais pessimista que seja, é uma comédia. Em Oppenheimer o pessimismo trágico é complementado por uma montagem que constantemente transita entre passado e futuro e, dentro dessa lógica, o desfecho que desenha um mau presságio já está entre os melhores finais que o diretor já concebeu em sua filmografia.
Direção: Christopher Nolan
Montagem: Jennifer Lame
Trilha sonora: Ludwig Göransson
Elenco: Cillian Murphy, Emily Blunt, Matt Damon, Robert Downey Jr., Florence Pugh, Josh Hartnett, Casey Affleck, Rami Malek, Kenneth Branagh, Benny Safdie, Jason Clarke, Dylan Arnold, Tom Conti, James D'Arcy, David Dastmalchian, Dane DeHaan, Alden Ehrenreich, Tony Goldwyn, Jefferson Hall, David Krumholtz, Matthew Modine, Scott Grimes, Kurt Koehler, John Gowans, Macon Blair, Harry Groener, Gregory Jbara, Ted King, Tim DeKay
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