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Guillermo del Toro é um diretor que consegue variar com muita qualidade entre os seus filmes que são Blockbusters, com altas pretensões de rendimento em bilheterias, como em “Círculo de Fogo”, “Blade 2” e os filmes da franquia “Hellboy” e entre os filmes que possuem características mais autorais do diretor e personificam suas pretensões temáticas de um cinema que flerta como o horror, com o conto de fadas e com a brutalidade de uma realidade que a fantasia trabalha para tornar mais suportável. Dentre esses filmes estão “Cronos”, “A Espinha do Diabo”, sua obra-prima “O Labirinto do Fauno” e seu prestigiado último trabalho, “A Forma da Água”.


A Forma da Água” é um longa que carrega elementos anteriormente já trabalhados por del Toro em seu cinema, usando a fantasia como uma ferramenta para explorar uma realidade brutal, narrada por uma violência gráfica que remete ao cinema horror, ao mesmo tempo que o lado fantástico do filme sugere algo de doce mas igualmente brutal e violento, mais  puxado para os contos originais dos irmãos Grimm, gerando um casamento de tons de narrativa aparentemente paradoxais, mas que nas mãos do diretor funcionam perfeitamente bem. Mas em “A Forma da Águadel Toro se dedica também a trabalhar a sexualidade de seus personagens como parte de sua caracterização. O grupo de personagens centrais é composto essencialmente de personagens excluídos. A protagonista, Elisa Esposito interpretada por Sally Hawkins é uma personagem doce, sutil e bem resolvida, apesar da dificuldade de ser muda. Elisa tem um vazio existencial muito presente que é sanado pela presença da criatura interpretada por Doug Jones e na comunicação que estabelecem entre si. Sua amiga Zelda (Octavia Spencer muito a vontade no papel) é a voz de Elisa para o público, externando em suas falas os seus anseios e os da protagonista. O Giles de Richard Jenkins é um riquíssimo personagem que não se limita a ser amigo da protagonista, mas possui uma sub trama que novamente conversa sobre a nossa percepção de monstro e herói, de bonito e feio, em relação às atitudes de um dado personagem num restaurante. Michael Stuhlbarg  compõe a figura de um russo em plena época de guerra fria, quebrando o velho e insuportável clichê de transformar os russos nos vilões dos filmes. Inclusive o vilão Richard  Strickland, muito bem retratado pelo ator Michael Shannon, de início parece ser bem estereotipado, apresentado pelo diretor com um plano contra plongè, interpretado com uma expressão ameaçadora. Porém o diretor explora no decorrer do filme a natureza do personagem e suas motivações. Como todo o bom vilão, Strickland não cai na armadilha de roteiros novelescos de ser mau por mau, mas é um personagem que acredita estar fazendo o certo, pois compra uma ideia de sociedade e status quo, do seu papel de homem provedor, uma ideia pronta característica do “american way of life”, do prestígio e do sucesso, da religião usada mais para elevar o ego do que para gerar contato com alguma espiritualidade. Strickland é um produto deturpado de sua época. A criatura, o “monstro” do filme, é dotada de certa agressividade, algo intrínseco da sua natureza, ao mesmo tempo em que carrega um ar doce e humanoide, casado com o lado da sensualidade trabalhado entre a criatura e a protagonista, de um jeito bem sutil, natural e comovente, frutos da bela expressão corporal de Doug Jones, um dos fieis seguidores de del Toro, que está nos “Hellboy” e em “O Labirinto do Fauno”.

Saudando o cinema como uma fantasia consciente e muitas vezes escapista, não de maneira negativa, mas como uma maneira de tornar uma realidade dura mais suportável, “A Forma da Água” constantemente lembra o clássico de Woody AllenA Rosa Púpura do Cairo” em suas homenagens à sétima arte.

É curioso notar como a fotografia segue uma lógica inversa à esperada. Ao retratar os personagens principais as cores dessaturadas e sombrias esverdeadas dominam, mas quando, num momento específico, resolve retratar a vida e a família do vilão de Shannon, as cores são vivas reconfortantes, mesmo que Strickland nunca pareça pertencer àquele mundo perfeito demais.

A trilha sonora de Alexandre Desplat atinge um lirismo invejável e marca o filme com acordes que ficam na memória do espectador, tendo no minimalismo e na sutileza as suas maiores forças.  

 A Forma da Água”, quando transportado para os nossos dias, contribui para a construção de uma crítica sobre o xenofobismo, o medo do estrangeiro, numa crítica ao governo de Donald Trump, que já manifestou o desejo de construir um murro que separa os EUA do México e nada mais apropriado que ver a visão de um diretor mexicano sobre essas questões por meio de uma bela alegoria muito potente e relevante.




Direção: Guillermo del Toro

Elenco: Sally Hawkins , Michael Shannon , Octavia Spencer , Richard Jenkins , Michael Stuhlbarg, David Hewlett , Doug Jones

Roteiro: Guillermo del Toro , Vanessa Taylor

Fotografia: Dan Laustsen

Música: Alexandre Desplat

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