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O cinema do diretor Luca Guadagnino trata do amadurecimento das personagens por suas relações com os corpos. Isso passa por transformar o seu remake de “Suspiria” em um body horror, pelo amadurecimento sexual em “Melissa P.” e “Me Chame pelo Seu Nome”, pelo canibalismo em “Até os Ossos” e pela obsessão e sensualidade em “Rivais” e “Queer”.

Em “Depois da Caçada” o diretor mantém a temática dos corpos presente, porém em uma abordagem diferente. O longa lida com um grupo de professores e estudantes burgueses que carregam em seus diálogos citações e nomes de filósofos. Todavia a abordagem dessa burguesia universitária é fria. A paleta de cores reflete isso, a montagem metódica como um tique taque de um relógio é tensa e ágil, mas distante. Os corpos mal se tocam em cena, as interações são intermediadas pelas instituições, em jogos de poder orientadas para a manutenção de uma hierarquia social acadêmica. Nesse sentido, nada é mais apropriado do que citações soltas de Michael Foucault e seu Panóptico pipocarem aqui e ali.


O filme parece uma tese sobre a distância entre teoria e prática. Nesse ponto, até Heidegger é citado. Tudo parece ser passível de discussões naquele meio, mas na prática isso não leva à ações orientadas sobre o que se pensa. Próximo do desfecho a protagonista cita com desdém um personagem, que antes fora seu colega professor na universidade, mas que agora estava envolvido na política. Essa citação passageira, num diálogo solto, pode ser pensado como um comentário sobre o processo de despolitização que atravessa alguns segmentos de diversas classes.

No ímpeto de querer complexificar o discurso das acusações de assédio na mídia após o MeToo, Guadagnino investe em criar algumas camadas a mais nos jogos de poder, mas sem de fato complexificar a trama. Nesse ponto, o longa francês Anatomia de uma Queda”, da diretora Justine Trietfoi capaz de elevar este mesmo discurso com maestria, inclusive usando o processo de investigação como analogia para o próprio processo criativo de se produzir um filme. Nos momentos que tenta criar dubiedade, “Depois da Caçada” acaba somente descredibilizando a vítima com informações pouco relevantes ao caso de assédio - ao citar o plágio em seu trabalho acadêmico ou sua família rica em contraponto à origem humilde do professor. O roteiro tenta equilibrar a balança com marcadores de gênero e raça, que soam como palavras vazias e estereotipadas servindo de escudo nessa encenação. No final das contas, aquilo que era para ser duvidoso se torna embebido de pouca nuance.

Assim, “Depois da Caçada”, em espírito, contribui para uma continuidade teórica do trabalho do diretor. Porém isso é feito de maneira mecânica, burocrática e distante. De certa forma, é uma decisão narrativa que encontra eco no ambiente burguês hierarquizado e sem vida que as personagens estão inseridas. Todavia é uma pena esse compasso produziu um longa que acredito ser apagado dentro da ótima filmografia do Guadagnino


Direção: Luca Guadagnino

Roteiro: Nora Garrett

Montagem: Marco Costa

Fotografia: Malik Hassan Sayeed

Trilha Sonora: Trent Reznor, Atticus Ross

Elenco: Julia Roberts, Ayo Edebiri, Andrew Garfield, Michael Stuhlbarg, Chloë Sevigny, Lio Mehiel, David Leiber, Thaddea Graham, Will Price, Christine Dye, Lailani Olan, Nora Garrett, Frankie Ferrari, Burgess Byrd, Sadie Scott, Ariyan Kassam

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