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sábado, 5 de outubro de 2024 às 16:43 Postado por CultComentário 0 Comments


 A história se repete, a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa” - Karl Marx

    Vivemos em uma grande farsa. Diante de uma enxurrada de fake news e negacionismos de diversos tipos (climático, histórico, político), o cinema parece, finalmente, ter reconhecido essa realidade, ainda que com atraso. M. Night Shyamalan construiu sua grande farsa no excelente "Armadilha", desconstruindo o clássico plot twist (que ocorre logo nos primeiros minutos de filme) e exagerando, de forma deliciosamente divertida, todos os clichês esperados de um filme de serial killer. "Duna - Parte 2" desconstruiu a ideia do herói salvador branco, expondo a farsa e a manipulação por trás dessa noção. Agora, é a vez de "Coringa: Delírio a Dois".

    Todd Phillips, consciente do mundo em que vive e das repercussões geradas pelo primeiro filme, opta por uma autocrítica enquanto cineasta. Explico. Se, por um lado, sua crítica à ausência do Estado em lidar com Arthur Fleck constrói um diagnóstico preciso dos problemas sociais nos Estados Unidos, a conclusão caótica e violenta parece infantil. Essa abordagem, no entanto, faz sentido dentro do contexto do personagem — um vilão dos quadrinhos —, que no filme carece de um contraponto mais complexo.

    Em "Delírio a Dois", Todd Phillips se torna refém de sua própria obra, retratando a crise criativa que permeia esta continuação. O filme é, ao mesmo tempo, uma narrativa sobre como o mito do Coringa sufoca um ser humano mentalmente doente e uma crítica à forma como a sede do estúdio por uma sequência esmaga a criatividade do diretor, preso a essa busca desenfreada por lucro. O mais interessante é que Phillips parece ter plena consciência dessa contradição e a expõe com maestria, transformando-a em parte essencial da obra.

    Abraçando a natureza insana de seu protagonista, "Coringa: Delírio a Dois" é um filme esquizofrênico. Em um momento, dedica-se ao drama, temperado com humor negro; no outro, mergulha em uma narrativa de tribunal. Mas também se transforma em um musical. No entanto, acima de tudo, é uma adaptação de personagens de histórias em quadrinhos. Ou talvez não seja nada disso.

    O filme veste uma máscara que, aos poucos, se desfaz ao longo da projeção. Coringa e Arlequina são apenas fantasias, as músicas são pré-existentes, e alguns números musicais são permeados pelo violoncelo angustiante da talentosa compositora Hildur Guðnadóttir. As vozes desafinam ocasionalmente, e a coreografia não se destaca pela técnica, mas pela intensidade dos atores. Assim, o filme não oferece uma catarse, não há prazer nesse "espetáculo". Essa abordagem é profundamente coerente com a essência de seu protagonista, mergulhado no caos e na desconstrução.


    Diante da tragédia que é a vida de Arthur Fleck — simultaneamente vítima e algoz —, nada mais apropriado do que desnudar esse sujeito, que perpetuou o caos que viveu, destruindo a vida de outros. Todd Phillips retira todo o espetáculo do filme e elimina qualquer possibilidade de uma catarse equivocada. "Coringa: Delírio a Dois" é uma pedra no sapato do espectador. É o desconforto de uma tragédia que se repete. É a negação do entretenimento baseado na violência. É a exposição da farsa. E é, acima de tudo, corajoso e admirável.


Direção: Todd Phillips

Roteiro: Scott Silver, Todd Phillips 

Montagem: Jeff Groth

Fotografia: Lawrence Sher

Trilha Sonora: Hildur Guðnadóttir

Elenco: Joaquin Phoenix, Lady Gaga, Brendan Gleeson, Catherine Keener, Zazie Beetz, Steve Coogan, Harry Lawtey, Leigh Gill, Ken Leung, Jacob Lofland, Sharon Washington, Troy Fromin, Bill Smitrovich, John Lacy, Gattlin Griffith, Tim Dillon, Mike Houston G.L. McQueary, Jimmy Smagula, Brian Donahue, Alfred Rubin Thompson, Robert Loftus, Carson Higgins, Ben van Diepen, Heather Cowles, Casey Burke


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