Em um dado momento de “La La Land” surge num diálogo uma ideia interessante em relação a Sebastian, personagem de Ryan Gosling, que tenta constantemente, e de maneira frustrada, salvar o Jazz e procurar constantemente transmitir aos outros a paixão que tem por esse estilo de música. Em contrapartida recebe como resposta o questionamento de como ele pretende salvar o Jazz, que foi criado por pessoas que transcenderam a música ao seu redor e a revolucionaram, se ele próprio é tão clássico e tradicional, sendo incapaz de repetir a revolução musical que tanto admira? Pois “La La Land” sofre um pouco desse mal, de procurar ser um musical que remete a outros títulos do gênero, mas que apresenta apenas um lampejo da genialidade que os clássicos tinham.
Escrito e dirigido por Damien Chazelle, mesmo diretor de Whiplash, que já mostra possuir apreciação em seus filmes por música, principalmente o Jazz, e que transmite em seus personagens a obsessão pela arte, Chazelle já acerta em iniciar o seu filme com um maravilhoso plano-sequência em um número musical de extraordinária coreografia e precisão, que filmado dessa maneira confere admiração ao trabalho dos dançarinos e dos operadores de câmera, juntamente com seu diretor de fotografia, Linus Sangren. Pois esses primeiros minutos já servem para estabelecer o público no filme, exibindo a logotipo do CinemaScope e sendo exibido numa generosa razão de aspecto de 2.55: 1 (a largura do quadro é pouco mais de duas vezes e meia maior que a altura, dando a possibilidade de explorar os cenários, coreografias e iluminação de maneira panorâmica e detalhada), “La La Land” funciona muito bem para os cinéfilos apaixonados que reconhecem determinados planos que conversam com outros longas. Vale citar que apesar de estar reverenciando uma época muito específica do cinema Hollywoodiano (a Era de Ouro que corresponde às décadas de 20 a 60), o filme se passa nos nossos dias, misturando essas épocas de maneira magistralmente executada pelo design de produção, figurinos e fotografia, compondo um filme visualmente espetacular e marcante. As ambientações, roupas e belos vestidos enriquecem cada vez mais a experiência com suas cores fortes e características, além de belos enquadramentos que compreendem sequências de dança filmadas em planos abertos com o corpo inteiro dos atores, ao mesmo tempo que também recorre à movimentos de câmera ágeis e novamente aos planos-sequência, sempre presentes nas sequências musicais, tudo isso conferindo ritmo e fluidez ao filme. Todavia, apesar de bem filmadas e coreografadas, as sequências musicais não são tão numerosas quanto se poderia esperar de um filme deste gênero, e, infelizmente, não são grandes canções. Sente-se falta de uma música que acompanha o espectador após a sessão, e músicas como “Another Day Of Sun” e “Someone In The Crowd” funcionam para o filme e dentro dele, nunca além dele. “City Of Stars” peca pela repetição e “The Fools Who Dream” por não ser marcante como se esperava que fosse apesar da ótima atuação de Emma Stone. A única canção que tem personalidade própria e funciona bem sozinha fora do contexto do filme é “Start A Fire”, mas dado ao discurso crítico de Damien Chazelle em relação à indústria da música, tenho certeza que não era essa a impressão que ele gostaria de deixar. Discurso crítico esse também presente em Whiplash, quando num dado momento Andrew diz que bateristas que tem habilidade tocam Jazz, e os que não tem acabam tocando Rock. Talvez seja nessa visão classicista demais e fechada que resida o problema do longa. Essa seria uma característica interessante de se explorar num personagem, mas quando o diretor parece compartilhar dela, a narrativa tende a construir um discurso tipicamente excludente, impreciso e nostálgico demais, perdendo a oportunidade de criar um musical revisionista e pós-moderno, como “Moulin Rouge” fora em seu tempo.
A dupla de personagens principais composta por Ryan Gosling e Emma Stone é o que mais funciona durante o filme e impressiona pelo entrosamento e química que os atores possuem, facilmente vendendo a ideia de um casal. Stone é uma das atrizes mais fascinantes de se acompanhar e é extremamente talentosa em conferir credibilidade a todo o arco dramático que Mia atravessa ao mesmo tempo em que combina com o ar irreverente, doce e inocente que o filme constrói. Vale citar que os closes que Chazelle dá em seus atores só reforçam e valorizam os trabalhos de interpretação de ambos. Ryan Gosling é extremamente carismático ao compor o frustrado e melancólico, mas apaixonado Sebastian, pianista de Jazz, e sua trajetória ao longo do filme é igualmente marcante. O casal possui cenas de dança pontuais, não muito numerosas, mas executadas com muito charme e encanto, e são afinados ao cantar, mas apenas isso, nenhum dos atores principais possui uma voz marcante.
À medida que o longa avança para o seu desfecho é que o enredo passa a importar mais do que o estilo que vinha sendo construído, e passamos a sentir a história mais do que nos primeiros atos. Num final que lembra muito “Casablanca”, misturado com o sabor melancólico do final de “New York, New York”, “La La Land” conta com uma sequência que apresenta um destino alternativo para seus personagens, destino alternativo esse que abraça a inocência do cinema que reverencia ao mesmo tempo em que reconhece que aquilo não passa de um sonho, um sonho docemente compartilhado secretamente pelos personagens e pelo público, num desfecho dos mais melancólicos, românticos e metalinguísticos que um filme poderia ter.
Direção: Damien Chazelle
Roteiro: Damien Chazelle
Fotografia: Linus Sangren
Montagem: Tom Cross
Design de Produção: David Wasco
Elenco: Ryan Gosling, Emma Stone, Amiée Conn, Terry Walters, Thom Shelton, Cinda Adams, Calie Hernandez, Jessica Rothe, Sonoya Mizuno, Rosemarie DeWitt, J. K. Simmons, John Legend
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